A História


  HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOS "DIAMANTES NEGROS"

Esta é a História de um conjunto dos Anos 60, contada pelo seu baterista com toda a autenticidade que lhe é peculiar.

Anos 60, ainda hoje são recordados e classificados como "O tempo em que tudo começou!" As greves dos estudantes em França, a verdadeira revolução musical em Inglaterra com os Shadows, Beatles e Rolling Stones que sequenciaram no velho continente algo que já vinha da América com o Elvis e outras correntes musicais.

Em Portugal começaram a aparecer os primeiros conjuntos em 1962-63. Realizou-se em Lisboa um concurso de conjuntos onde apareceram bons músicos, alguns ainda hoje em actividade (poucos, no entanto alguns).

Mas nós estávamos em Sintra e aí tudo chegava mais tarde, era o atraso completo. O salazarismo obrigava-nos a uma falta de informação quase total. Éramos pobres e, luxos como gravadores e gira-discos eram privilégios só de alguns. Os nossos pais lutavam para nos trazer de barriga cheia e limpos, vestidos e calçados. Havia, há e sempre houve quem tivesse "o bicho da música" e Sintra é sem dúvida uma terra de músicos. A banda da Sociedade da Vila já estava a ameaçar ruína devido à idade das suas "paredes-mestras" e não entrava sangue novo. Mas havia ainda boa música, embora o futuro fizesse prever o pior.
Dois jovens amigos de longa data, companheiros de brincadeiras de rua (que era à época o jardim infantil), as mais diversas diga-se, desde jogar à bola, o hóquei (na rua e sem patins), até ir às quintas roubar fruta, tocar às campainhas das portas e fugir a correr. Naquele tempo quase todos passámos por isto. Para além disto tudo, estes dois amigos muitas vezes se juntavam com duas harmónicas de boca e davam "verdadeiros concertos" no Paço da Vila, nos pontos mais diversos, nas escadas do barbeiro, perto da tasca denominada "Gruta do Castelo".

Um era o Álvaro José Silvestre, oriundo de uma família de alfaiates (bons), o pai era empregado na secretaria da Câmara e sem qualquer antepassado músico. A música deles era outra, os timbres variavam consoante o tamanho dos copos. O Álvaro José, Sintrense da Vila, nascido a 4 de Setembro de 1943, filho do senhor Pompílio Silvestre e da Dona Deolinda Silvestre, sempre demonstrou qualidades inatas para a harmónica, já com as violas não se dava tão bem, foi no entanto uma pessoa fundamental para que tudo se iniciasse.

O outro é o autor destas linhas, que esse sim, na família a música fazia parte do dia a dia, sempre fez desde o tempo do meu avô Zé Borralho que, segundo me dizia meu pai, tocava bandolim. Mas abreviando, eu Carlos José Paulo dos Santos, Sintrense, nascido na Vila a 7 de Fevereiro de 1947, sempre tive tambores e caixas em casa, já que o meu pai tinha sido baterista e tocava bombo na banda. Não foram poucas as vezes que organizei charangas na rua Fresca, eu a tocar caixa e uma remessa de putos como eu a tocar gaitas de lata atrás de mim.

Nos nossos horizontes, meu e do Álvaro José, começou a aparecer a ideia de formar um conjunto, como se dizia na altura. Mas uma viola era um brinquedo caro e o Álvaro não era rico nem de perto nem de longe, no entanto a vontade era muita e como o José Manuel Brandão, nosso amigo de infância, tinha uma viola de caixa que lhe ofereceram à qual não ligava nada, o Álvaro pediu-lha emprestada e começou a aprender uns tons sozinho, pois escolas ou quem se dedicasse a ensinar havia muito pouco. Tirando o Malhinhas, velho exímio na guitarra e viola de fado, em Sintra poucos sabiam tocar uma viola na perfeição, se é que na perfeição houvesse alguém.

...Mas então o Álvaro José lá ia persistindo na aprendizagem, tendo como companheiro de jornada um moço da Guiné que veio para Sintra viver sob o protectorado do Dr. Jorge de Melo, por ter cometido um acto de bravura e desamor à própria vida para a salvar a de outrem. Era um herói mas para a viola era um nabo, o Álvaro por ali também não se safava.

O conjunto era a obsessão, o Álvaro já sabia fazer a 1.ª, 2.ª e 3.ª de Dó, sabe Deus a que duras penas, e portanto dali até ao tão almejado conjunto era um instante.
Lembrei-me do Xixó , que era meu colega do Externato Académico de Sintra e, das muitas vezes que fora a sua casa, via que tinha piano e que até sabia tocar a "Marcha Turca de Mozart". Esta ideia veio a tornar-se brilhante pois o Xixó foi a peça fundamental, a sua teimosia, a sua habilidade, a capacidade para lidar com as sete notas, fizeram dele o líder e o ponto de referência da banda.

Estavam na moda os Shadows, o filme "Mocidade em Férias" com o Cliff Richard andava por aí, nós íamos ver aquilo vezes sem conta só para ver os Shadows no final a tocar o "Savage" ao vivo. O filme era um barrete, bastava vê-lo uma vez e chegava, mas os Shadows eram o nosso sonho.

Era necessária mais gente. Quem? Havia um moço, e há, que ainda é vivo felizmente, que era filho do único homem que tocava bem guitarra de fado, viola, banjo, bandola, cordas era com ele, embora de um modo antigo para o nosso gosto (refiro-me ao pai) o Robustiano Velho. Mas o filho mais velho, o Robustiano (filho), era já mais capacitado do que qualquer dos nossos pretendentes a guitarra, e foi durante muito tempo parte integrante do projecto conjunto, para o qual não havia nome.

A primeira sala de ensaio foi a garagem do pai do Xixó . A bateria era uma porta de chapa de zinco duma capoeira das galinhas, o baixo era um cavaquinho preto do Robustiano que era suposto servir para nosso baixista. Na época o Álvaro José, o Xixó e o Robustiano eram os guitarras, e andávamos à procura de um cantor. Experimentámos o João Reis e o Joaquim "polícia" (entretanto já falecido). Passámos a ir ensaiar para a Sociedade no começo do Inverno de 1963. Chega o princípio de 1964 e o senhor Magalhães, presidente da Sociedade União Sintrense, pergunta-nos:

- Então quando é que isso sai?- (como se ser músico fosse só chegar ali e ligar o botão, como dizia o António Silva, era uma torneira a deitar música).

- Bem, eu vou já mas é marcar a data da apresentação e pronto, se não vocês não passam disto! - Dizia o Magalhães... e resolve marcar para 25 de Janeiro de 1964 , um sábado, a apresentação. E marcou-nos também o Carnaval na Sociedade, que era logo a seguir. Estávamos tramados, tínhamos para aí cinco ou seis números mais ou menos alinhavados e aquele tipo colocou-nos entre a espada e a parede.
Foi o que nos fez andar! Abençoado José Magalhães, devemos-lhe muito: Onde estiver, o nosso grande Bem-haja.

Já com aquele compromisso assumido, resolvemos meter um saxofonista, tinha de ser um puto como nós. E onde é que ele estava? A banda de S. Pedro tinha acabado de sair no verão anterior completamente renovada pelo senhor Batalha, com muita gente nova e, não é para me gabar, sempre tive um certo "faro" para ver e conhecer quais os mais capazes. Sabia de alguns "craques" mas optei pelo rapaz que me foi substituir na Cooperativa Agrícola de Produção de Leite do Concelho de Sintra, onde trabalhei. Esse rapaz, Carlos Alberto Rodrigues de seu nome e de alcunha "O Sabonete", veio a revelar-se um verdadeiro Diamante, vinha completamente por lapidar, como todos nós. Mas como trabalhávamos muito, ensaiar até à exaustão era a palavra de ordem, quem tinha alguma coisa para dar fazia-se músico.

Entretanto, o Robustiano era um indivíduo sempre desatento e pouco zeloso com os ensaios. Um dia, depois de tanto o ter avisado para se concentrar e trabalhar, ele começou a tocar um fado que havia na altura nas máquinas de discos (fado-rock), eu passei-me dos carretos, peguei num livro de letras do Xixó , que era o que estava mais à mão, aquilo eram folhas soltas com umas argolas grossas de metal e capas de cartolina, acertei-lhe em cheio na cara, era sangue por todo o lado, lá se foi o Robustiano, acabou ali a sua estadia no "Novel Conjunto Sintrense"! Primeira reacção, tudo a rir! Depois parámos para pensar. Pensámos: Então e agora? Faltam quinze dias para a apresentação?!...

Aí viu-se o que nós éramos na realidade, quatro putos cheios de vontade e muito brio.
O Xixó num dia trouxe e ensaiou-as todas, mais de vinte músicas novas. Dizia ele para o Álvaro José:
- Tu olhas para mim e vês como eu faço!
Ficámos só os quatro, eu Caínhas baterista, Álvaro José viola ritmo, Carlos Rodrigues saxofone e Xixó , a nossa super-estrela, piano, guitarra solo e voz.

Os instrumentos eram do pior que se pode imaginar, mas o nosso sucesso em 25 de Janeiro de 1964 foi tão grande que fez com que o comboio só parasse com a guerra colonial, e algumas asneiras pelo meio, porque nós tínhamos tudo para dar certo.


O nome " Diamantes Negros " como surgiu? Por acaso!
Nós sempre gozámos uns com os outros cada vez que surgia esse tema. Que nome?... Tínhamos os nossos amigos de sempre que nos acompanhavam desde o primeiro dia e ia parar sempre aos palavrões. Até que alguém disse: - DIAMANTES NEGROS - Aí o nome ficou a pairar, já haveria um conjunto com esse nome, mas nunca se ligou, nem havia certezas e, não havia mesmo. Mais tarde, isso sim, o nosso nome foi usurpado por um grupo de Queluz, sem sucesso.
Carlos José dos Santos (Caínhas)


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