A Nossa História


  HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOS "DIAMANTES NEGROS"

Esta é a História de um conjunto dos Anos 60, contada pelo seu baterista com toda a autenticidade que lhe é peculiar.

Anos 60, ainda hoje são recordados e classificados como "O tempo em que tudo começou!" As greves dos estudantes em França, a verdadeira revolução musical em Inglaterra com os Shadows, Beatles e Rolling Stones que sequenciaram no velho continente algo que já vinha da América com o Elvis e outras correntes musicais.

Em Portugal começaram a aparecer os primeiros conjuntos em 1962-63. Realizou-se em Lisboa um concurso de conjuntos onde apareceram bons músicos, alguns ainda hoje em actividade (poucos, no entanto alguns).

Mas nós estávamos em Sintra e aí tudo chegava mais tarde, era o atraso completo. O salazarismo obrigava-nos a uma falta de informação quase total. Éramos pobres e, luxos como gravadores e gira-discos eram privilégios só de alguns. Os nossos pais lutavam para nos trazer de barriga cheia e limpos, vestidos e calçados. Havia, há e sempre houve quem tivesse "o bicho da música" e Sintra é sem dúvida uma terra de músicos. A banda da Sociedade da Vila já estava a ameaçar ruína devido à idade das suas "paredes-mestras" e não entrava sangue novo. Mas havia ainda boa música, embora o futuro fizesse prever o pior.
Dois jovens amigos de longa data, companheiros de brincadeiras de rua (que era à época o jardim infantil), as mais diversas diga-se, desde jogar à bola, o hóquei (na rua e sem patins), até ir às quintas roubar fruta, tocar às campainhas das portas e fugir a correr. Naquele tempo quase todos passámos por isto. Para além disto tudo, estes dois amigos muitas vezes se juntavam com duas harmónicas de boca e davam "verdadeiros concertos" no Paço da Vila, nos pontos mais diversos, nas escadas do barbeiro, perto da tasca denominada "Gruta do Castelo".

Um era o Álvaro José Silvestre, oriundo de uma família de alfaiates (bons), o pai era empregado na secretaria da Câmara e sem qualquer antepassado músico. A música deles era outra, os timbres variavam consoante o tamanho dos copos. O Álvaro José, Sintrense da Vila, nascido a 4 de Setembro de 1943, filho do senhor Pompílio Silvestre e da Dona Deolinda Silvestre, sempre demonstrou qualidades inatas para a harmónica, já com as violas não se dava tão bem, foi no entanto uma pessoa fundamental para que tudo se iniciasse.

O outro é o autor destas linhas, que esse sim, na família a música fazia parte do dia a dia, sempre fez desde o tempo do meu avô Zé Borralho que, segundo me dizia meu pai, tocava bandolim. Mas abreviando, eu Carlos José Paulo dos Santos, Sintrense, nascido na Vila a 7 de Fevereiro de 1947, sempre tive tambores e caixas em casa, já que o meu pai tinha sido baterista e tocava bombo na banda. Não foram poucas as vezes que organizei charangas na rua Fresca, eu a tocar caixa e uma remessa de putos como eu a tocar gaitas de lata atrás de mim.

Nos nossos horizontes, meu e do Álvaro José, começou a aparecer a ideia de formar um conjunto, como se dizia na altura. Mas uma viola era um brinquedo caro e o Álvaro não era rico nem de perto nem de longe, no entanto a vontade era muita e como o José Manuel Brandão, nosso amigo de infância, tinha uma viola de caixa que lhe ofereceram à qual não ligava nada, o Álvaro pediu-lha emprestada e começou a aprender uns tons sozinho, pois escolas ou quem se dedicasse a ensinar havia muito pouco. Tirando o Malhinhas, velho exímio na guitarra e viola de fado, em Sintra poucos sabiam tocar uma viola na perfeição, se é que na perfeição houvesse alguém.

...Mas então o Álvaro José lá ia persistindo na aprendizagem, tendo como companheiro de jornada um moço da Guiné que veio para Sintra viver sob o protectorado do Dr. Jorge de Melo, por ter cometido um acto de bravura e desamor à própria vida para a salvar a de outrem. Era um herói mas para a viola era um nabo, o Álvaro por ali também não se safava.

O conjunto era a obsessão, o Álvaro já sabia fazer a 1.ª, 2.ª e 3.ª de Dó, sabe Deus a que duras penas, e portanto dali até ao tão almejado conjunto era um instante.
Lembrei-me do Xixó , que era meu colega do Externato Académico de Sintra e, das muitas vezes que fora a sua casa, via que tinha piano e que até sabia tocar a "Marcha Turca de Mozart". Esta ideia veio a tornar-se brilhante pois o Xixó foi a peça fundamental, a sua teimosia, a sua habilidade, a capacidade para lidar com as sete notas, fizeram dele o líder e o ponto de referência da banda.

Estavam na moda os Shadows, o filme "Mocidade em Férias" com o Cliff Richard andava por aí, nós íamos ver aquilo vezes sem conta só para ver os Shadows no final a tocar o "Savage" ao vivo. O filme era um barrete, bastava vê-lo uma vez e chegava, mas os Shadows eram o nosso sonho.

Era necessária mais gente. Quem? Havia um moço, e há, que ainda é vivo felizmente, que era filho do único homem que tocava bem guitarra de fado, viola, banjo, bandola, cordas era com ele, embora de um modo antigo para o nosso gosto (refiro-me ao pai) o Robustiano Velho. Mas o filho mais velho, o Robustiano (filho), era já mais capacitado do que qualquer dos nossos pretendentes a guitarra, e foi durante muito tempo parte integrante do projecto conjunto, para o qual não havia nome.

A primeira sala de ensaio foi a garagem do pai do Xixó . A bateria era uma porta de chapa de zinco duma capoeira das galinhas, o baixo era um cavaquinho preto do Robustiano que era suposto servir para nosso baixista. Na época o Álvaro José, o Xixó e o Robustiano eram os guitarras, e andávamos à procura de um cantor. Experimentámos o João Reis e o Joaquim "polícia" (entretanto já falecido). Passámos a ir ensaiar para a Sociedade no começo do Inverno de 1963. Chega o princípio de 1964 e o senhor Magalhães, presidente da Sociedade União Sintrense, pergunta-nos:

- Então quando é que isso sai?- (como se ser músico fosse só chegar ali e ligar o botão, como dizia o António Silva, era uma torneira a deitar música).

- Bem, eu vou já mas é marcar a data da apresentação e pronto, se não vocês não passam disto! - Dizia o Magalhães... e resolve marcar para 25 de Janeiro de 1964 , um sábado, a apresentação. E marcou-nos também o Carnaval na Sociedade, que era logo a seguir. Estávamos tramados, tínhamos para aí cinco ou seis números mais ou menos alinhavados e aquele tipo colocou-nos entre a espada e a parede.
Foi o que nos fez andar! Abençoado José Magalhães, devemos-lhe muito: Onde estiver, o nosso grande Bem-haja.

Já com aquele compromisso assumido, resolvemos meter um saxofonista, tinha de ser um puto como nós. E onde é que ele estava? A banda de S. Pedro tinha acabado de sair no verão anterior completamente renovada pelo senhor Batalha, com muita gente nova e, não é para me gabar, sempre tive um certo "faro" para ver e conhecer quais os mais capazes. Sabia de alguns "craques" mas optei pelo rapaz que me foi substituir na Cooperativa Agrícola de Produção de Leite do Concelho de Sintra, onde trabalhei. Esse rapaz, Carlos Alberto Rodrigues de seu nome e de alcunha "O Sabonete", veio a revelar-se um verdadeiro Diamante, vinha completamente por lapidar, como todos nós. Mas como trabalhávamos muito, ensaiar até à exaustão era a palavra de ordem, quem tinha alguma coisa para dar fazia-se músico.

Entretanto, o Robustiano era um indivíduo sempre desatento e pouco zeloso com os ensaios. Um dia, depois de tanto o ter avisado para se concentrar e trabalhar, ele começou a tocar um fado que havia na altura nas máquinas de discos (fado-rock), eu passei-me dos carretos, peguei num livro de letras do Xixó , que era o que estava mais à mão, aquilo eram folhas soltas com umas argolas grossas de metal e capas de cartolina, acertei-lhe em cheio na cara, era sangue por todo o lado, lá se foi o Robustiano, acabou ali a sua estadia no "Novel Conjunto Sintrense"! Primeira reacção, tudo a rir! Depois parámos para pensar. Pensámos: Então e agora? Faltam quinze dias para a apresentação?!...

Aí viu-se o que nós éramos na realidade, quatro putos cheios de vontade e muito brio.
O Xixó num dia trouxe e ensaiou-as todas, mais de vinte músicas novas. Dizia ele para o Álvaro José:
- Tu olhas para mim e vês como eu faço!
Ficámos só os quatro, eu Caínhas baterista, Álvaro José viola ritmo, Carlos Rodrigues saxofone e Xixó , a nossa super-estrela, piano, guitarra solo e voz.

Os instrumentos eram do pior que se pode imaginar, mas o nosso sucesso em 25 de Janeiro de 1964 foi tão grande que fez com que o comboio só parasse com a guerra colonial, e algumas asneiras pelo meio, porque nós tínhamos tudo para dar certo.


O nome " Diamantes Negros " como surgiu? Por acaso!
Nós sempre gozámos uns com os outros cada vez que surgia esse tema. Que nome?... Tínhamos os nossos amigos de sempre que nos acompanhavam desde o primeiro dia e ia parar sempre aos palavrões. Até que alguém disse: - DIAMANTES NEGROS - Aí o nome ficou a pairar, já haveria um conjunto com esse nome, mas nunca se ligou, nem havia certezas e, não havia mesmo. Mais tarde, isso sim, o nosso nome foi usurpado por um grupo de Queluz, sem sucesso.
Carlos José dos Santos (Caínhas)

 

AINDA SOBRE AS VÁRIAS FORMAÇÕES DOS DIAMANTES NEGROS



Durante toda a existência do conjunto, como já referi, houve várias formações umas melhores do que outras mas, salvo episódios em que alguns elementos estiveram menos bem, nos 40 Anos depois da fundação do grupo, esses episódios já foram esquecidos.

A formação inicial, todos sabem, era 4 elementos, 3 Carlos e um Álvaro.


Carlos José (Caínhas), Álvaro José, Carlos Rodrigues (Carlinhos Saxofone) e Carlos Henriques (Xixó)

No segundo ano tivemos um filho, apareceu o puto gigante Luís. Com a ida do Álvaro José para a guerra de Luanda (praia e vinho verde), entrou o Henrique Max.

Henrique(Max), Carlinhos, Luís Cardoso(Lismanel), Xixó e Caínhas

Quando chegava o Verão e os meninos iam a banhos para o Algarve: Miúdas, brutas bebedeiras e "cachets" em que ainda tinham saldo deficitário. Eu era trabalhador músico, não tinha férias no Verão porque o meu chefe nunca me dava esse direito pois ele gozava as férias às terças, quintas e sábados (nesse tempo trabalhava-se ao sábado), trabalhava às segundas, quartas e sextas (havia de ser hoje...). Acrescentando a isto que os meus pais, pessoas de idade, punham-me todos os entraves para eu ir para tão longe de casa. Mas o problema nem se discutia porque o emprego era o obstáculo principal. Então o meu lugar foi pela primeira vez ocupado pelo Mário Jorge (Márinho) e assim continuou nos meus impedimentos até que chegou a hora da mobilização e, como já referi, entraram dois elementos. Mas antes houve a saída do Henrique, ainda uns dois ou três meses antes de mim e como os Guitarras de Fogo tinham acabado entra o Tó Gândara para o seu lugar, por pouco tempo, pois também estava na tropa e nada ou quase nada o ligava ao nosso grupo, fez no máximo duas actuações connosco.

Entretanto os "Azthecas" acabaram e fomos buscar o Camena , um óptimo elemento que tocava e cantava bem (era o solista dos Azthecas). Muito actualizado deixava o Xixó livre para as teclas que já se adivinhavam. Eu não cheguei a ser colega dele, a não ser esporadicamente. O Camena já fez parte da formação com o Charly, Martins, Xixó e Luís. Esta formação teve óptimas prestações e culmina com o segundo lugar no Concurso do Cinema Império, à frente dos "Charruas" e atrás dos "Espaciais" do Porto, que na altura usaram o pseudónimo "Psico".

LisManel, Charly, Xixó, Martins, Camena e Víctor Ricardo

Como o Camena já disse: Eram tão bons e subiram tão alto que caíram e nunca mais se levantaram. É uma opinião válida, mas os tempos eram muito difíceis e a tropa acabou com dezenas de boas bandas, nós não podíamos ser excepção.


Os Diamantes primeira fase acabaram em 1970, as tentativas de reactivação estão já descritas e citados os nomes de todos os elementos no subtítulo "Fim" da história dos Diamantes Negros.
Um abraço do vosso amigo Caínhas.

 

 AS NOSSAS IDAS À TELEVISÃO

Decorria o ano de 1965, era Inverno, a Sr.ª D. Alice Henriques, mãe do Xixó, recebeu um telefonema na ausência do filho, da secretária de um senhor Uva da RTP, que queria contactar connosco para nós irmos tocar à televisão. Por aqui é que nós podemos, também concluir que de facto tínhamos mérito. Nós não falámos com ninguém, tínhamos um ano de formação, estávamos em Sintra e alguém influente na RTP nos viu, gostou, tratou de saber e soube o nosso contacto.


 Quando o Xixó chegou a casa e a mãe lhe disse, tratou de nos comunicar e ficámos eufóricos. O Álvaro José já estava na Força Aérea. Gravámos a música num domingo à tarde no Estúdio A no Lumiar e depois fomos fazer a filmagem para a Rocha de Conde de Óbidos, no paquete Funchal que estava lá atracado em manutenção. Nesse tempo o paquete fazia a carreira Lisboa-Funchal-Lisboa, sendo do mais luxuoso que havia na época. Tocámos uma selecção de fados em rapsódia só instrumental, tipo Shadows (recordo: "Foi Deus" e "Rosas Brancas") e foi um verdadeiro sucesso. O realizador colocou-nos nas baleeiras do navio e fez umas panorâmicas de Lisboa, com o Tejo e o castelo de S. Jorge em fundo. Foi um estrondo!

Convém recordar que a TV era uma criança, tudo estava no princípio, só havia um canal, era aquele! O 1, o único! E quando digo que foi êxito, foi êxito! Recordo-me que depois, no salão de festas do navio, tocámos mais uma ou duas músicas, sendo uma delas dos Beach Boys (Long Tall Texan, dos Beach Boys) e actuou também nesse show connosco uma rapariga que cantava muito bem mas nunca fez da música profissão, seu nome Teresa Paula Brito, cantando o imortal "Fever", que ainda hoje se toca e se ouve com agrado.

O Álvaro José era militar, estava na Ota (que na época ficava longe para ir e vir com facilidade), as filmagens foram num dia de semana e ele precisava de uma dispensa que não conseguiu. O pior já estava concluído que era a gravação da música, agora era só a filmagem e o "play-back", ele até podia faltar, era aborrecido mas antes isso que ser castigado militarmente. Qual o quê?!... o Alvarinho baldou-se à tropa contra tudo e contra todos. Esteve sempre aflito durante as filmagens, com o Credo na boca sem saber o que o esperava quando chegasse ao quartel: A prisão era uma hipótese!... Felizmente não houve azar.

Fomos tão bem sucedidos, que nos convidaram para uma segunda actuação uns meses depois num sábado à tarde, num programa para jovens e em directo, era o que nós queríamos. Só que saiu-nos tudo ao contrário, não pudemos trabalhar com o nosso som, as vozes estavam reguladas na régie, não tínhamos som junto de nós, o único que fazia barulho ali era o baterista, que por azar era eu, e com o barulho que fazia não ouvia as vozes que estavam a cantar sem amplificação tal como as guitarras.

Foi um fracasso (para nós), as fãs e os fãs gostaram. O Heitor nosso amigo inseparável, foi connosco e assistiu na televisão do bar da RTP. Quando chegou junto de nós, ele que nos conhecia bem, disse logo que tinha sido uma Mer..

À noite fomos tocar para os Recreios Desportivos do Algueirão, baile até de madrugada com Show Total, boa disposição, boa música e bom vinho, que o digam o Cochicho, o Álvaro José e o Carlinhos do saxofone.
Carlos José Paulo dos Santos (Caínhas)

COMO É QUE SE CONSEGUIU TER SEMPRE TÃO BONS INSTRUMENTOS?

 
Os Diamantes sempre se preocuparam em adquirir bons instrumentos e aparelhagens.

1.º - Nós muito raramente reservávamos algum dinheiro para dividir pelos elementos.

 

2.º - Havia uma firma de ourivesaria e venda de electrodomésticos que eram os Correias do Mucifal. Tinham a representação da Phillips (nossas primeiras aparelhagens) e outras representações. O cérebro da firma Correias era o seu filho mais novo, o Sr. Rodrigo já falecido, um homem muito nosso amigo e a quem os Diamantes Negros devem muito. Quando eu cheguei de Angola havia uma dívida de quarenta e tal contos para com ele e vendeu-se o nosso belo material ao desbarato para pagar essa dívida.

À firma Correias do Mucifal aqui fica toda a minha gratidão e julgo estar imbuída desse sentimento toda a nossa equipa que privou de perto com ela.

Obrigado Rodrigo.

Caínhas

 

 O disco gravado para a etiqueta alvorada

 

Os Diamantes Negros , com as dificuldades que o isolamento "Sintra" lhes trazia... Não se pense hoje que isto é desculpa de gente menor, não!

Nós sentíamos dificuldades para chegar a certas portas, enquanto grupos de Lisboa, ou porque eram filhos de... ou porque estavam ali mais à mão, tinham a vida facilitada nas Rádios de então com imensa força, especialmente o Rádio Clube Português na R. Sampaio Pina, onde fomos várias vezes, e a Rádio Renascença, esta mais na moda porque apoiava muito os grupos portugueses dessa época. Mas não eram todos (lá está...) era só para alguns! Faziam-se gravações no estúdio deles, tinham lá um homem que nessa matéria andava uns anos à frente da concorrência, Moreno Pinto de seu nome.

Os Sheiks e o Quinteto Académico eram do melhor que havia cá na nossa praça e tinham os estúdios escancarados. Os outros, coitados, poucos ou nenhuns mais tiveram essa chance.

Nós tínhamos objectivos e queríamos cumpri-los, mas este objectivo foi conseguido de uma forma precipitada.

O agente dos Ekos, um tal José Luís (não confundir com o cantor dos Ekos também Zé Luís), falou com o Júlio na hipótese de se fazer o disco: - Arranjem lá quatro músicas e vamos gravar tal dia. - Nós não tínhamos nada preparado, cantávamos tudo em inglês e músicas de terceiros. Ora estávamos fora do alinhamento. A empresa produtora era a Rádio Triunfo do Porto, a etiqueta era a Alvorada e só queriam música portuguesa.

De repente lá foi o Júlio fazer letras para duas músicas dos "Beatles" e mais uma dos "Fortunes". Tocou-se também um fado em instrumental, tudo à pressa, tudo a martelo. Era impossível dar certo e, para acabar, a gravação foi feita no estúdio A da antiga Emissora Nacional, depois das 24 horas, que era quando todo o movimento da estação ficava mais livre.

Foi lindo... a técnica era a mesma que tinham utilizado na Televisão (isto no meu caso) porque em geral havia diferenças. Eu tinha dificuldades porque nunca ouvia a melodia. Nas músicas cantadas, primeiro gravavam o instrumental, só depois é que se gravava a voz e, repetia-se quantas vezes fossem necessárias, com limites cerrados pois houve coisas que saíram mal e mal ficaram porque o tempo era curto. Há desafinação em alguns coros que hoje qualquer simples "rato" apagava e afinava a nota. Ali não, ou se cantava bem ou se cantava mal, ou o estúdio era bom ou o estúdio era mau. No caso em apreço, em Portugal já se fazia muito melhor.

Gravámos até às 6 horas da manhã. Para quem esteve todo o dia a trabalhar ou a estudar, como era o nosso caso... Ninguém tinha a vida facilitada. Era pegar nos instrumentos e nos aparelhos, carregar tudo pela escada da Emissora Nacional, montar para estar a tocar à meia-noite. Era uma violência das antigas. Recordo que às tantas tinha a boca seca do esforço, dos nervos, sei lá de quê... e perguntei onde se podia beber água: - Não há! - Foi a resposta - Só nas casas de banho, nos lavatórios.

O disco não tem graça nenhuma, não reflecte, nem de perto nem de longe, o que foram os Diamantes Negros , que já naquela altura eram bem melhor, embora para mim os anos de ouro tivessem vindo depois, mas aí já não havia discos, já se tinham fechado as portas porque nós "fomos com muita sede ao pote" e não soubemos esperar pela oportunidade certa. Tínhamos também outro "porém", nunca fomos pelo caminho dos originais e poder-se-ia ter trilhado esse caminho, que havia gente para lá chegar. O Xixó mostrou que tinha aptidão para originais já naquele tempo mas, assim que se falava nisso apareciam logo as vozes discordantes.

O "cachet" do disco foi 2 500$00 (dois mil e quinhentos escudos) que nunca recebemos. Vendemos a 1.ª edição toda do disco e ninguém nos deu nada de percentagens. Grandes negócios nós fazíamos!...

O Vítor Ricardo já era o nosso agente, correu "Seca e Meca" com aquela borrada na mão e fez passar aquilo em tudo o que era estação de rádio, de Lisboa, claro! (estávamos a anos luz das rádios locais, embora já se falasse nas rádios piratas em Londres).

Talvez haja quem ainda se lembre de um concurso que havia, não me recordo bem do nome mas penso que era Ídolos da Canção, cujos resultados eram dados ao Domingo no Rádio Clube Português no programa "Onda do Optimismo", por onde passaram grandes ícones da locução portuguesa como: Fernando Pessa, Jorge Alves, Artur Agostinho (aliás o programa era da empresa Sonarte cujo o dono era o Artur Agostinho), Fialho Gouveia, Henrique Mendes e muitos outros. A classificação era dada através dos cupões das revistas, nós arranjávamos cupões de amigos e até chegámos a comprar, mandávamos e, estivemos muitas semanas nos três primeiros lugares. Fartamo-nos daquilo, até porque também nos saia caro e, deixámos de mandar votos. Resultado normal: fomos engolidos.

Tenho gravações feitas por um amigo nosso de Cascais, que se chamava João Alberto, muito melhores que o disco, feitas no palco da Sociedade com o pano fechado, em piores condições de gravação sobre todos os aspectos, com um pequeno gravador Grundig de quatro pistas e o resultado final ainda hoje se pode ouvir.

Caínhas

 Verão de 1965


Fomos contactados para tocar no casamento da filha mais velha do Sr. Rui Cunha. Actuação no Palácio Valenças onde nós gostávamos muito de tocar, era o sítio mais "In" cá da terra e o casamento era só gente fina.



Bem, lá fizemos o nosso trabalho, o copo de água acabou já ao fim da tarde, o serviço de restauração estava a cargo do restaurante "Pinheiro de Colares" (já não existe, está lá o Banco Espírito Santo): Buffet bem servido, muita fartura e boa qualidade.

Quando acabou tudo sobrou comida que dava para fazer outro casamento. Começámos a olhar uns para os outros e para a mesa corrida cheia de comida. Os convidados e os noivos já se tinham, ido embora. O que é que nós pensámos? E se aquela perna de vitela levasse uma palmada? O mal foi pensar! Onde é que nós levamos uma coisa tão grande? Retira-se a aparelhagem de vozes da caixa e mete-se lá a perna. Começámos a puxar os aparelhos para junto da mesa e a dita caixa, já se sabe, assim que apanhámos os empregados um bocado distraídos: Zás! Lá foi a vitela para a caixa que foi uma beleza!

Mas depois tínhamos que fazer uma soirée ao ar livre, no Hotel Miramonte no Pinhal da Nazaré, Colares. Levámos a perna connosco. Era verão mas as noites em Sintra quase sempre são frescas.



Não fosse o diabo tecê-las, a perna ficou atrás de mim, junto a um pinheiro grande. Quando tocávamos esquecíamos tudo mas, de repente deu-me um "vipe" e lembrei-me de ir ver a vitela. Qual o quê, antes de eu me lembrar da dita já uns seis milhões de formigas o haviam feito. Ai a minha rica vitela! Pegámos na perninha e fomos a correr com ela para a cozinha do hotel para ver se nos davam uma solução para a crise. E deram! Meteram a perna na estufa de manter a loiça quente, aumentaram o calor e, meus senhores, haviam de ver o que eram formigas a fugir aos milhares e a ficarem torradas no tabuleiro inox da estufa. Conseguimos libertar-nos da praga e a perna de vitela ficou a salvo durante o resto da actuação na cozinha do hotel.

Esta perninha iria ser o nosso jantar de domingo (dia seguinte) já que íamos tocar aos Bombeiros Voluntários da Lourinhã.

Nesse domingo a perna ainda não tinha terminado a sua saga, já tinha passado por tanta coisa e ainda teve de seguir viagem depois de almoço fora dos sistemas de frio. A viagem estava programada e assim se fez: Sintra, Vimeiro, tarde passada na piscina das termas e Lourinhã.

Saímos de Sintra em direcção a Mafra no Chrysler de sete lugares do Sr. Cochicho. Depois da Igreja Nova um furo. Um sol abrasador, automóvel carregado com sete pessoas mais o material do conjunto e a perna de vitela. Lá se mudou a roda do carro. O peso no tejadilho era tanto que o mesmo ia dentro mais de uma mão-travessa. Tínhamos um cesto de verga enorme onde ia toda a bateria mais os ferros (não havia ainda as caixas para transporte de material como há agora). Era tudo à molhada e, vá lá, que nós tínhamos muita coisa encaixotada e por lotes, tudo feito pelos nossos electrónicos Baleia à cabeça.

A viagem lá continuou e eis-nos chegados ao Vimeiro. Foi tudo para a piscina das termas tomar o inevitável banho. Quase todos nadavam bem, excepto o Álvaro José que tinha um certo receio e, apesar de saber alguma coisa aventurava-se pouco, só nadava aos cantos da piscina três metros para cada lado (e se calhar era muito). O que é que lhe fizemos enquanto ele fazia o seu percurso longo? Meti-lhe a mão na cabeça, empurrei-o para baixo e fi-lo engolir um pirolito. O Álvaro assustou-se e agarrou-se à primeira coisa que veio à mão, no caso foi uma menina de tranças. O Alvarinho agarrou-se às tranças da menina que, quando se livrou dele, foi a chorar copiosamente para junto dos familiares. O Álvaro com o pirolito, o susto e os nervos desatou a vomitar esparguete com bife para aquele escoadouro que as piscinas tinham antigamente para sair a água excedente. Hoje já não se fazem piscinas assim, por questões de higiene e evolução tecnológica.

Depois de um bom banho e umas valentes rizadas, lá fomos para a Lourinhã, montámos o material, testámos o som e fomos jantar. Antes já alguém tinha arranjado uma tasca (por acaso limpinha e com bom aspecto) que foi nisso de nos partir a carninha toda às fatias e fazer esparguete para acompanhar, que no caso do Álvaro José foi para repor o stock que perdera de tarde. A pobre da vitela é que com tanta volta, já estava um bocadinho azeda, mas o destino dela era aquele, morreu no seu posto e fez a sua obrigação. Até hoje não houve reclamações.

Curiosidades: Os senhores dos Bombeiros da Lourinhã não nos queriam deixar acabar de tocar pois ainda tinham bifanas para vender; O contrato foi arranjado pelo João Almeida que era agente dos "Flyers"; Depois da actuação fomos levar o Álvaro José à Ota, que se vestiu de militar dentro do Chrysler do Cochicho na recta para o quartel.
Carlos José (Caínhas)

 
23 de Janeiro de 1965

Com um ano de vida Os Diamantes voltam à S.U.S. (Sociedade União Sintrense) cujo palco foi o seu berço. O baile "abrilhantado" por 4 conjuntos de dança Sintrenses serviu para marcar um ano cheio de experiências novas. 



 Reconstituição e montagem sobre o cartaz original

 

1966 - Sangue novo nos Diamantes

 A entrada do Henrique José "Max" para os Diamantes relançou o conjunto 


  Eis um artigo publicado no Diário de Notícias em que era dado ênfase ao filho do célebre cantor, agora um DIAMANTE!

"Todos nos lembramos ainda de quando, há muitos anos, Max surgiu, simples e tímido, mas sempre desfivelando uma alegria contagiante, nos palcos de Lisboa. Tinha dito adeus à sua bela «Pérola do Atlântico», e trazia, com os seus sugestivos «bailinhos» e a sua harmoniosa voz, o sonho de conquistar o público dos grandes espectáculos. E o sonho foi realidade absoluta. Max tornou-se um grande e inconfundível cartaz do «music-hall»... Agora, a história repete-se. O micróbio da arte é hereditário. E a fervorosa paixão pela música e pelas canções, que um dia arrancou Max à rotina da profissão de alfaiate, transitou naturalmente para um dos seus filhos: o Henrique José, que já tem 19 anos. Mas, neste, a vocação musical traz alterações próprias da actualidade: vem conduzida pela corrente dos ritmos modernos. O jovem filho de Max é um dos elementos do conjunto «Os Diamantes Negros», que participou com mérito no Concurso «Yé-Yé» do Monumental, já actuou no Programa Juvenil» da TV, e acaba de lançar um disco. Os tempos mudaram. E Max, acima de tudo orgulhoso por o seu Henrique José também ter música nas veias, aceita perfeitamente as suas directrizes artísticas. Há anos, trouxe ele da Madeira os característicos «bailinhos». Há semanas, levou o filho à Madeira o electrizante «Yé-Yé», numa digressão dos «Diamantes Negros». Na imagem, os seis elementos do conjunto. 0 Henrique José está sentado, ao meio."

 


 Aqui fica a homenagem ao Henrique José que infelizmente já não pode tocar connosco.

Colecção CINEMA 21-04-66 ENQUANTO O PAI CONTINUA OS SEUS ÊXITOS NO BRASIL UM DOS FILHOS DO ARTISTA MAX ACTUA NO CONJUNTO MUSICAL «OS DIAMANTES NEGROS»

"Dos conjuntos mais populares da nova vaga. «Os Diamantes Negros » está agora em evidência, a avaliar pelo Cruzeiro do Fim de Ano à Madeira e Canárias, em que tomou parte, e ainda pelas suas presenças no «Programa Juvenil», da Radio televisão Portuguesa.

Um dos vencedores do recente concurso de «Yé-Yé», realizado no teatro «Monumental», e registando uma gravação no mercado, «Os Diamantes Ne­gros» têm actuado com sucesso em muitos espectáculos, nomeadamente, em Sintra. Do agrupamento, fazem parte Carlos Manuel Mendes Henriques, Luís Manuel da Silva Cardoso, Carlos José Paulo dos Santos, Carlos Alberto Duarte Rodrigues, e ainda Henrique José Freitas de Sousa, filho do popular artista Max."


Ainda o disco gravado

Plateia 12-04-66

Faixas:

    - O dia em que te vi - Hully Gully
    (Roger Greenaway-Júlio Ribeiro) You've Got Your Troubles - The Fortunes
    - Rosas Brancas - Fado - Popular
    - Quero-te sempre a meu lado
     
I Don't Want To Spoil The Party (John Lennon-Júlio Ribeiro)
      Eu sei, meu amor - Hully Gully (Mosley-Swearringon-Simington)

A juventude irreverente!...

Diamantes num concurso. O cartaz (abaixo) exibido no palco tentava dissuadir os teen-ager a não cometerem excessos. Repare-se no estilo típico do discurso de reprimenda da altura:


 «Permita o Júri ouvir os conjuntos. "Objetos" atirados para o palco. Distúrbios na sala. São motivos para a Expulsão do Espectador que assim Proceder sem que a Organização lhe Devolva a importância Do Bilhete. A Juventude Pode Ser Alegre Sem ser Irreverente".
1966 - As actuações

Registos do Vitor Ricardo:


    08/01/66 - Monumental - Meia-Final
    08/01/66 - Festa de Finalistas do Liceu de Portalegre
    15/01/66 - Espelho de Água
    22/01/66 - II Aniversário
    05/02/66 - Ass. N. 1.º de Maio da Figueira da Foz
    06/02/66 - Festa de Finalistas do Cacém
    12/02/66 - Palácio Valenças
    19/02/66 - Festa de Finalistas da Escola Industrial e Comercial de Abrantes
    21/02/66 - Valenças (Camélias)
    05/03/66 - Sociedade da Amoreira
    12/03/66 - Tuna de Sintra
    13/03/66 - Soc. De Algueirão
    19/03/66 - "Camélias" - Borla
    23/03/66 - Atlético Clube do Cacém
    16/04/66 - Soc. União 1.º de Dezembro do Rio-de-Mouro
    23/04/66 - Soc. B.º Taxa
    30/04/66 - Sociedade (U/Festa)
    07/05/66 - 1.º Lugar no Festival Yé-Yé da Amoreira
    22/05/66 - Soc. Musical Sintrense
    04/06/66 - Soc. União 1.º de Dezembro do Rio-de-Mouro
    11/06/66 - G. R. e R. Venda Seca
    25/06/66 - Sociedade de Vialonga
    07/08/66 - Soc. De Montelavar (Zé Dias)
    15/08/66 Soc. De Alvarinhos
    20/08/66 - "Facho"
    02 a 26/09/66 - Praia da Luz
    10/09/66 - "Facho"
    01/10/66 - Zoio
    05/10/66 - Carlos Manuel (Bombeiros)
    08/10/66 - Soc. União 1.º de Dezembro do Rio-de-Mouro
    29/10/66 - Atlético Clube do Cacém
    05/11/66 - Soc. Da Parede
    03/12/66 - Soc. União Sintrense (Álvaro Zé)
    10/12/66 - Solar dos Mouros (Bombeiros)
    10/12/66 - Bombeiros de Colares
    17/12/66 - Soc. União Sintrense (Aztecas)
    18/12/66 - Festa de Finalistas do Liceu D.João de Castro
    31/12/66 - Passagem do Ano - Sintrense










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